segunda-feira, 13 de junho de 2016

Palavras muito usadas perdem o sentido? Jornal Nexo - por Juliana Domingos de Lima

A repetição e ampliação do sentido de determinados termos pode desgastá-los. Com quais palavras, por que e como isso acontece

O que as palavras “kafkiano”, “ontológico”, “comunista” e “literalmente” têm em comum? Todas são acusadas de um uso excessivo e impreciso, a ponto de perderem o sentido.

É recorrente que o universo de um escritor ou escritora dê origem a adjetivos como “kafkiano”, “orwelliano” e “machadiano”, aplicados para descrever outras obras ou situações cotidianas. A imprecisão no uso de termos como esses, no entanto, faz crescer uma sensação vaga, que alguns associam à perda de significado da expressão pelo seu uso em excesso.

A palavra “kafkiano” (ou “kafkaesco”) corresponde àquilo que remete aos livros do escritor tcheco Franz Kafka. É válida geralmente para situações de qualidade labiríntica, surreais, opressivas pelo aspecto de pesadelo. Mas, sua derivação do nome do autor passa por uma redução interpretativa, uma vez que seus livros e estilo têm diversas outras características. Uma delas é o humor, não contemplado pelo sentido usual da palavra “kafkiano”.

Para a linguista, dicionarista e professora emérita da Unesp Maria Helena de Moura Neves, o sentido vago que a palavra assume tem mais a ver com a má aplicação do que com o excesso do uso. “[A palavra] passa a ter um sentido mais genérico, porque sai de um significado de nome próprio para entrar no que seria a proposta de Kafka”, explica. “A porcentagem que leu Kafka e pode falar dele é reduzida e o significado dessa palavra vai depender também da interpretação da obra. Sem ter lido, passa-se a usar a palavra em sua aplicação ampla, às vezes metafórica”.

No lugar de uma aparente perda de significado entra, na verdade, um processo de mudança linguística. Segundo Henrique Braga, linguista, professor e supervisor de português no curso Anglo, vários aspectos podem ser considerados fatores desse processo, sendo o aumento da frequência de uso de determinadas palavras um deles. Com isso, muitas vezes o valor semântico se torna mais abstrato e abrangente. “Não é consenso chamar isso de esvaziamento, mas por ser mais abstrato, pode soar mais vazio. Se abstratizar e a partir daí, expandir”, diz o professor em entrevista ao Nexo.

Braga cita como exemplo disso, na língua portuguesa, a palavra “literalmente”. “Há casos em que o literalmente não significa, ao pé da letra, o que quer dizer. Vi uma manchete que dizia: ‘o gol do Botafogo literalmente caiu do céu’. Não era um lance em que o jogador chutou a bola para o alto e marcou o gol. No contexto, ‘literalmente’ ganhou sentido de ênfase, de que o gol indiscutivelmente veio a calhar”.

No caso de termos com raiz filosófica, como ontológico ou epistemológico, o problema se repete. Ganhador do Pulitzer e colunista do "Washington Post", Gene Weingarten declarou recentemente ter intercambiado os dois adjetivos em sua escrita nos últimos 25 anos, sem saber o que nenhum deles significa.

Em parte uma provocação humorística (a “bio” de sua conta do twitter o define como epistemologista), a confissão aponta novamente para a imprecisão, para um uso genérico das palavras em contextos diversos. Para Maria Helena, a distorção vem do fato de serem, nesse caso, significados de difícil penetração. “As pessoas se confundem porque é difícil aprender o que significam esses termos”, afirma.

Leia na íntegra em: https://www.nexojornal.com.br

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